Image
Image
O diário da Gabriela: tecendo laços afetivos a partir de narrativas infantis

O diário da Gabriela: tecendo laços afetivos a partir de narrativas infantis

ESTA É A GABRIELA,  BONECA QUE INSPIROU AS CRIANÇAS A PRODUZIREM LINDAS NARRATIVAS

JUSTIFICATIVA 

O ano de 2018 inicia e eu assumo uma turma em que as crianças já vinham juntas desde o berçário. Não as conhecia bem, mas logo nas primeiras semanas de aula identifiquei alguns problemas. Percebi, nas relações entre elas, que algumas sentiam dificuldade para se expressar e as que eram mais falantes acabavam por dominar as situações deixando as demais sempre à margem das atividades. Também identifiquei algumas crianças muito agressivas, que só resolviam os conflitos batendo ou mordendo os coleguinhas. Essas mais agressivas também eram as que apresentavam maior dificuldade para se expressarem oralmente. Diante disso, tentei criar várias estratégias para que as crianças desenvolvessem a comunicação oral, mas nada dava muito certo. Já estávamos em maio e algumas crianças ainda se expressavam pouco oralmente, evidenciando um baixo repertório em seu vocabulário. As mais falantes continuavam dominando as conversas e brincadeiras, as mais caladas continuavam à parte e as agressivas não eram bem aceitas pelos seus pares. Ou seja, o cenário continuava praticamente o mesmo. Com o passar dos meses, as crianças foram melhorando a comunicação oral, mas eu ainda não estava plenamente satisfeita com os resultados. Então comecei a pensar em alguma forma de melhorar a oralidade dessas crianças e de diminuir a agressividade, mas eu queria algo concreto, que partisse das experiências de vida delas. Depois de um tempo, motivada pela temática do projeto pedagógico daquele ano, resolvi levar uma boneca negra para a sala. Até que, em novembro de 2018, cheguei com a boneca enroladinha em meus braços, ela era um bebê, e as crianças correram para vê-la. Entreguei a boneca para uma das crianças da turma e fiquei observando a reação delas. Todas a receberam com muito carinho e logo perguntaram seu nome. Então, falei que ela ainda não tinha nome porque tinha acabado de nascer e por isso precisaríamos escolher um nome para ela. Fizemos uma votação e o nome escolhido foi Gabriela. Nesse mesmo dia algumas crianças pediram para levar a Gabriela para casa e, neste momento, percebi que nascia ali, junto com a Gabriela, a estratégia que eu estava procurando para desenvolver a linguagem das crianças de forma significativa. Combinei com a turma que toda sexta-feira uma criança seria sorteada para levar a Gabriela para casa e, na segunda-feira, na rodinha, a criança que levou a Gabriela teria que nos contar como foi passar o fim de semana com ela. As histórias que as crianças contavam eram tão interessantes, tão cheias de significado, suscitava tantos debates entre elas que, em 2019, ao continuar com a mesma turma, resolvi dar continuidade a esse trabalho. Porém, as narrativas seriam registradas por escrito e as famílias iriam participar também desse projeto. Assim surgiu o "Diário da Gabriela: tecendo laços afetivos a partir de narrativas infantis".

A PRODUÇÃO TEXTUAL DEVE INICIAR MESMO ANTES DA CRIANÇA SABER LER E ESCREVER

  • OBJETIVOS

O objetivo inicial foi fundamentalmente desenvolver a questão da linguagem oral como meio de socialização e empoderamento das crianças. O que eu queria é que elas ampliassem o vocabulário e a fluência ao falar. Mas, devido a riqueza das narrativas das crianças, o meu olhar se ampliou e comecei a vislumbrar as outras possibilidades que aquela atividade trazia. Por isso, ao elaborar o projeto “O Diário da Gabriela: tecendo laços afetivos a partir de narrativas infantis”, percebi que não se tratava de elencar alguns objetivos soltos, pois o que poderia alcançar não eram simples avanços cognitivos. Estava diante de Campos de Experiências que se entrelaçavam.

No campo "O eu, o outro e o nós" o objetivo foi desenvolver nas crianças a capacidade de comunicar ideias e sentimentos, elevando a autoestima e criando sentimento de pertencimento de grupo. Além disso, tinha por objetivo envolver as famílias, pois as narrativas das crianças contavam muito dessa relação familiar. Comunicar ideias e sentimentos não é uma ação fácil nem mesmo para os adultos. Porém, como as narrativas construídas por elas vinham de suas experiências reais, falar sobre suas ideias e sentimentos era algo que acontecia naturalmente.

No campo “Escuta, fala, pensamento e imaginação” o objetivo foi o de desenvolver a competência linguística, possibilitando que as crianças produzissem suas próprias histórias orais e escritas em situações com função social significativa. Conhecer a função social da linguagem é algo que só se aprende pela experiência. Quando a criança vive uma experiência e depois conta essa experiência para outras pessoas ela está aprendendo uma das principais funções da linguagem, que é comunicar-se, de forma a se fazer entender pelo outro. A partir do momento que eu passei a escrever o que elas narravam, as crianças passaram a compreender uma outra função social da linguagem, que é a permanência do que se fala por meio do registro escrito.

  • METODOLOGIA

Em primeiro lugar é preciso que as crianças e seus responsáveis compreendam o objetivo do projeto e suas regras. Caso contrário, não alcançamos sucesso.

A falta de sucesso de alguns projetos, em boa parte, se deve ao não conhecimento de seus objetivos por parte das crianças e de seus familiares.

Em março fiz uma reunião com os responsáveis, expliquei como iria desenvolver o projeto e quais eram os objetivos; solicitei que deixassem as crianças levarem a Gabriela para qualquer lugar que eles fossem e que tirassem fotos das crianças em alguns momentos com a Gabriela e compartilhassem pelo WhatsApp do grupo da turma. Regras definidas, iniciamos o “Diário da Gabriela” em 05 de abril de 2019.

O que era apenas uma atividade para desenvolver a oralidade das crianças, passou a ser um momento rico de troca entre elas e entre mim e as famílias, pois as narrativas das crianças eram de situações reais, carregadas de afetividade e de conflitos, trazidos pelas experiências vividas em seus contextos familiares. Fazer o registro por escrito dessas narrativas possibilitou que as crianças tomassem mais consciência das experiências vividas por elas. Em muitos momentos, os diálogos entre elas eram verdadeiras trocas de saberes. Um saber que não era meu para elas, mas delas e entre elas. Eu estava ali realmente como mediadora de todo esse processo. O meu papel era criar um ambiente propício para as conversas, fazer os registros e ler para elas verificarem se eu tinha sido fiel ao que elas tinham falado. Ou seja, a minha interferência era a mínima necessária para que as crianças pudessem evoluir.

AVALIAÇÃO DO PROCESSO

É inegável que a afetividade e a linguagem sejam fatores primordiais para que a aprendizagem ocorra, sendo esses extremamente interligados. No caso das crianças pouco falantes percebi que havia ali algum comprometimento emocional que abalava a autoestima delas e, por isso, elas travavam na hora de se comunicar e, muitas vezes, se tornavam agressivas.

Segundo Vigotski, é na fala que reside a fonte de comportamento, tendo um papel organizador na formação da consciência. Nessa perspectiva, foi fundamental desenvolver a linguagem dessas crianças e, por conseguinte, a autoestima.  Também levei em consideração um ponto fundamental do modelo reggiano que é a organização do trabalho educativo baseado na prática da pesquisa e no rever constante de projetos e atitudes.

Gostou desse relato de experiência? Compartilhe e deixe aqui um comentário. Compartilhando e comentando você estará contribuindo para a construção do conhecimento.

Quer saber mais sobre essa experiência? Acesse o DIÁRIO DA GABRIELA com textos produzidos pelas crianças. 

Quer aprofundar sobre Produção de Texto na Educação Infantil e outros temas abordados no texto? Acesse os links e leia um resumo sobre os referenciais teóricos que utilizei. Caso queira adquirir os livros indicados, você pode efetuar a compra utilizando os links abaixo:

VIGOSTSKI, Lev. Imaginação e Criatividade na Infância. Um livro que fala sobre exemplos da Pedagogia da imaginação e criatividade a partir de modalidades expressivas que as crianças aprendem na escola: desenho, teatro, leitura e a escrita criativa: https://amzn.to/2YIFjhr

BAJARD, Élie. Caminhos da Escrita: espaços da aprendizagem. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002. https://amzn.to/32ALWU4

MALAGUZZI, Loris (et AL). As cem linguagens da criançahttps://amzn.to/32u7wJO

SMITH, Alice Paige; CRAFT, Anna e colaboradores; tradução Vinícius Figueira. O Desenvolvimento da prática reflexiva na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2010. https://amzn.to/3lrV1qG

KOCH, Ingedore Villaça. Ler e Escrever: estratégias de produção textual. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2010. https://amzn.to/3hDLcnr

 

Assine nossa Newsletter

Image

REDES SOCIAIS

Image
Image
Image

REDES SOCIAIS

Image
Image
Image