Educandário Modelo, 1976
Tive a ideia de criar o Canal do Saber em 2020, mas eu sempre defendi a tese de que as ideias não surgem de súbito, no momento exato da criação. Se pararmos para pensar, perceberemos que a nossa história de vida é carregada de experiências que nos constituem enquanto pessoa. Somos o resultado de nossas experiências. Portanto, quando criamos algo, estamos concretizando o que já existia dentro de nós como potência, como uma semente, aguardando apenas o solo fértil para desabrochar.
BUSCANDO AS RAÍZES
Profª. Zélia Rodrigues Nunes, 1966
Tudo começou com um sonho da minha mãe (Profª Zélia Rodrigues Nunes) de criar uma escola que fosse um modelo de educação. Minha mãe era professora e já por volta dos anos 50 tinha um pensamento muito moderno sobre como educar crianças, jovens e adultos. Ela defendia o diálogo na escola, pois acreditava que era possível educar sem utilizar dos castigos autoritários e repressores muito comuns naquela época. Defendia o ensino contextualizado e era totalmente contra àqueles métodos tradicionais baseados na repetição e condicionamento. Ela acreditava que a Educação poderia transformar as pessoas e, assim, mudar a sociedade. Então, ela conheceu meu pai (Sr. Levy Neves Nunes), homem muito determinado e muito exigente. Tudo com ele tinha que ser muito correto. Ambos acreditavam no poder da Educação. A união dos dois foi perfeita para que o sonho se tornasse realidade. Juntos batalharam muito e fundaram o Ginásio Modelo (1960), escola que mais tarde veio a se chamar Educandário Modelo. (1961).
SIGNIFICADO DE COERÊNCIA
Observando meus pais aprendi o verdadeiro significado da palavra “coerência”. As ideias nada significam se não são colocadas em prática. Fui crescendo e aprendendo que se não agirmos conforme os valores que defendemos, vivemos uma falácia. Meus pais sempre foram um exemplo de coerência para mim, pois eles agiam na escola, com os alunos, professores e funcionários, da mesma maneira como agiam em casa, com os filhos.
Exposição de fotos antigas, realizada em 2016
Além de uma proposta de Educação inovadora, minha mãe tinha uma maneira muito especial de lidar com os comportamentos inadequados de alguns alunos. Quando um aluno era levado para a direção da escola porque não obedecia ao professor em sala de aula, sabe o que minha mãe fazia? Ela pedia para o aluno se sentar e se acalmar, colocava uma folha e uma caneta na frente dele e falava assim: “Fica um pouco aí refletindo sobre suas ações, pense em quem está agora trabalhando para que você possa estar aqui na escola estudando, aprendendo e fazendo amigos e pense também no que você está perdendo ao se comportar assim. Depois escreva sobre o que você pensou e quando estiver pronto me chama”. Ela falava isso e saía da sala. Quando ela voltava, perguntava se o aluno ou aluna gostaria de conversar sobre o que escreveu ou se gostaria de rasgar a folha. Ela me contava que 100% dos alunos escolhia conversar e depois pedia para que ela guardasse a folha. Lembro que ela guardava mesmo! Guardava todas as reflexões dentro de uma caixa em uma estante de madeira que tinha porta com chave. Era como um tesouro! E assim ela conhecia cada aluno, seus problemas, suas angústias, suas necessidades e educava. Ou seja, ela transformava vidas. Ela sabia o verdadeiro sentido da palavra “educar” e fazia isso com maestria.
PARCERIA
E o meu pai? Onde entra meu pai nessa história?
Prof. Levy Neves Nunes
Meu pai transformava as ideias da minha mãe em realidade. Ele que construía os prédios, fazia as carteiras, os uniformes e muitas outras coisas. Lembro que eu, aos 6, 7 anos de idade, era a secretária dele e aonde ele ia eu o acompanhava com meu caderninho e caneta anotando tudo. Íamos muito a São Paulo comprar materiais escolares, aviamentos para confeccionar os uniformes (que aliás eram impecáveis) e outros materiais escolares. Também íamos muito na TV Tupi pegar filmes. Já naquela época (anos 60) meus pais sabiam do valor das atividades extraescolares e valorizavam muito a cultura. Então era muito comum os passeios pedagógicos. Eles alugavam ônibus e levavam os alunos para museus, teatros, cidades históricas e por aí vai. Enfim, meu pai e minha mãe eram parceiros e essa parceria refletia na escola.
TRABALHO E FAMÍLIA
O Educandário Modelo para os meus pais não era só um local de trabalho; era na verdade a extensão da nossa família. Os alunos e seus pais se tornavam nossos amigos. Amigos mesmo! São quase 60 anos de escola e muitos que conviveram com meus pais são amigos até hoje. Muitos filhos, netos e bisnetos de ex-alunos estudam no Educandário Modelo atualmente e eu sinto muito orgulho dessa história, pois não são poucas às vezes que escuto lindos depoimentos das pessoas relembrando os bons momentos que viveram na escola e, muitos, agradecendo a ajuda que receberam de meus pais.
Estou aqui escrevendo e pensando: “Nossa! Eu iniciei o texto com a intenção de escrever poucas linhas, mas não consigo parar de escrever”.
É que as lembranças são tantas e tão gostosas que eu ficaria dias escrevendo. São lembranças inesquecíveis.
Mas…vou parar por aqui e espero que alguns ex-alunos leiam e deixem registradas as doces lembranças que também possam ter do tempo em que estudaram no Educandário Modelo.
Profa Zélia R. Nunes recebendo homenagem da Câmara dos Vereadores de Nova Iguaçu por seus serviços prestados à comunidade
Educandário Modelo – 2020
Profa. Zélia e Prof. Levy na formatura dos alunos – anos 80
PASSADO E PRESENTE, QUAL A CONEXÃO?
Lembra que iniciei este texto afirmando que nossas ideias não surgem do nada, que na verdade são resultados de nossas experiências de vida? Pois bem, o Canal do Saber surge em 2020, mas com os mesmos valores que embasaram toda a minha vida pessoal e profissional. Ou seja, estou aqui para dialogar com você, compartilhar saberes e experiências para que possamos ser, juntos, protagonistas na construção do conhecimento.